Eunice Schlieck
Suelena Pacheco dos Reis
Falar de separação de corpos, separação de fato, separação judicial soa um tanto estranho, quando numa perspectiva sistêmica convidamos a todos a integrarem as experiências vividas, concordam?
O convite ao cliente é que perceba o quanto aquela relação, que chega ao fim, foi um sucesso enquanto durou. Não será a formalística jurídica que facilitará o desligamento, mas sim a gratidão pelos momentos vividos. Enquanto o bom não for visto e reconhecido, não acontecerá a liberação por inteiro para novos e saudáveis relacionamentos.
Se, da história vivida, resultaram filhos, o sucesso é inegável e trás o cliente para um estado de presença com leveza. Uma vez que pais não se separam, apenas a relação homem x mulher finaliza e ambos saem inteiros.
Quando não tiveram filhos, também foque que relatem bons momentos, seja quando se conheceram, uma viagem que realizaram, o que construíram juntos, isso vai auxiliá-los a perceber que podem finalizar com respeito à história que viveram, fortalecendo o bom e o bem vivido, a fim de que as dores não se tornem motivos de vinganças e mais dores. É comum que um dos envolvidos sinta raiva, o que não proporciona que uma boa solução emerja. Deste modo, literalmente focar no AMOR, sem precisar necessariamente mencioná-lo, é o que alivia a tensão destes momentos e proporciona que sejamos gestores de soluções, as quais transbordam dos próprios clientes, posto que cada relação tem as suas especificidades.
Pode parecer difícil ao cliente focar no bom, quando uma relação está finalizando e levando ao indicativo de ruptura dentro da própria história. A sensação de perda se faz latente, no entanto a alma necessita de que todos os momentos vividos sejam integrados, todas as experiências boas e não tão boas precisam ser validadas na realidade que representam. Jamais vistas como uma perda de tempo, mas como acréscimos pela riqueza de aprendizados. Para bem concluir é necessário ser grato pelo tempo vivido.
Com efeito, convidarmos os clientes a lembrarem de momentos felizes, como por exemplo o nascimento de um filho, proporciona que a conexão com o profissional se estabeleça e a confiabilidade aumenta.
Somos operadores do direito, mas somos seres humanos antes de tudo, pois temos também nossas experiências pessoais. Portanto, nos colocarmos como iguais, facilita a conexão com o todo que o cliente trás quando chega até nós.
É simples assim: seja de verdade e o outro perceberá que você é e então também será, pois reconhecerá que não somos robôs e temos nossas vulnerabilidades. O que permitirá que relate sem reservas todas as nuances que o levaram até o momento da decisão de dar fim aquela história, nos proporcionando uma atuação mais assertiva. Sendo assim, correremos menos riscos de sermos surpreendidos com algo não revelado, que por ventura nos coloque em situações delicadas, até mesmo durante atos processuais.
Ademais, não menos importante, vale ressaltar que a postura do profissional numa separação pode ser prejudicial, principalmente quando este lança um olhar crítico e julgador aos envolvidos, trazendo à tona a sua inabilidade com suas próprias dores, introduzindo muitas vezes uma condução inapropriada para uma história que não lhe pertence.
O respeito ao luto dos envolvidos, velando a ruptura dos projetos traçados para a vida, agora frustrados, pode levar uma anulação momentânea das reais vontades. O cair em si é um processo individual e cada um tem o seu tempo. Neste ínterim, qualquer condução por parte dos profissionais, seja ele advogado, mediador, no sentido de agilizar os ritos, pode criar mais dor e ressentimento. Perguntar mais do que responder, ficar no seu lugar, facilitar que os envolvidos se manifestem até perceberem-se equilibrados, pois seguirão sempre presentes na história um do outro.
Muitas separações rompem uma conduta de desqualificação do outro e, quando bem solucionadas, podem vir a se transformar numa nova e saudável relação com o(a) mesmo(a) parceiro(a).
Por fim, podemos perceber que trabalhar com expressões mais leves em nosso dia a dia, ainda que no ordenamento jurídico seja definida como Separação o término de uma relação conjugal, é um bom caminho. Talvez utilizarmos expressões como: o fim da união, conclusão da relação conjugal, ou descasamento (expressão de autoria de João Gilberto Bernardes Rodrigues), uma vez que a própria alma demonstra que um ciclo se completou em todas as etapas: começo, meio e fim. E, se está concluído, os envolvidos estão verdadeiramente liberados para construírem novas bases relacionais, seja com quem for.
Em tempos que o mundo está em metamorfose devido à pandemia mundial provocada pelo coronavírus, em que as pessoas estão tendo que encarar suas relações reais sem subterfúgios, uma nova base de sociabilidade está emergindo, conforme leciona SCHLIECK (2020, p. 77):
“…esse campo de saber proposto pelo direito sistêmico, que está relacionado à filosofia sistêmica e ao fenômeno humano, pode contribuir para essa necessidade de uma nova base de sociabilidade que está emergindo.”
Concluímos que, uma separação pode vir a se tornar uma nova união, portanto tudo pode acontecer diante da imprevisibilidade das ações humanas. E nós, operadores do direito, para estarmos a serviço da vida, precisamos nos alinhar a quem essencialmente somos, SEPARAR seria fragmentar o todo do qual fazemos parte! Vamos trabalhar para alterar essa nomenclatura em nosso ordenamento jurídico?
Bibliografia:
SCHLIECK, Eunice. Direito Sistêmico: uma abordagem transformativa do conflito. A filosofia jurídica sistêmica: um olhar humanizado na justiça. Brasília, DF: Ultima Ratio, 2020.
Currículo das autoras:
Suelena Pacheco dos Reis: Advogada, Professora, Escritora, Palestrante, Vice-presidente da Comissão de Direito Sistêmico OAB/SC. Membro da Diretoria do Instituto Brasileiro de Direito Sistêmico – IBDSist. Pós-graduanda em Psicologia Transpessoal Instituto Zen – IZEN/Faculdade Madalena Sofia. Terapeuta e Facilitadora de Constelação Sistêmica, com formação em Percepção Sistêmica e Práticas Integrativas pelo Instituto Luciano Alves – ILA, Capacitação em Movimentos Essenciais com Cláudia Boatti, Introdução à Comunicação Não-Violenta com Dominic Barter.
Eunice Schlieck: Advogada, Professora, Palestrante e Escritora. Pós-Graduada em Direito e Gestão Ambiental/CESUSC (SC) e em Constelações Familiares Hellinger, aplicada ao Direito Sistêmico pela Hellinger Schule e Faculdade Innovare (SP). Treinamento Sistêmico pelo Instituto de Constelações Familiares Brigitte Champetier de Ribes. Formação básica complementar em Percepção Sistêmica e Práticas Integrativas pelo ILA – Instituto Luciano Alves. Capacitação em Movimentos Essenciais com Cláudia Boatti. Capacitação em Práticas Colaborativas pelo Instituto Brasileiro de Práticas Colaborativas. Introdução à Comunicação Não-Violenta com Dominic Barter. Coordenadora Nacional para a temática de Direito Sistêmico da ESA Nacional, Escola Superior da Advocacia, triênio 2019/2022. Presidente da Comissão de Direito Sistêmico da OAB/SC 2017/2021, primeira do Brasil. Vice-Presidente da Comissão Especial de Estudos de Direito Sistêmico da OAB/RJ 2017/2021. Presidente e fundadora do Instituto Brasileiro de Direito Sistêmico. Professora da ESA – Escola Superior da Advocacia. Professora da Pós-Graduação em Direito Sistêmico da Verbo Jurídico. Professora do Curso de Extensão em Direito Sistêmico na Faculdade CESUSC/SC.