Constelações e a audiência pública no Senado Federal.

O movimento histórico inaugurado pela audiência pública no Senado Federal, no dia
24.03.2022, retrata a inquietude de uma sociedade que busca se localizar no mundo
globalizado, posto que as tecnologias supriram lacunas territoriais, no entanto transformaram
a noção de territorialidade, pois tornou irrelevante o espaço físico.
Não há como ignorar o impacto destas céleres transformações, que tonteiam um idoso e
aceleram uma criança, necessitando de novas reflexões e ações que proporcionem o
assentamento literal das ideias para a construção do conhecimento.
Num diálogo caloroso entre iguais, pois todos anseiam pela compreensão de seus
pensamentos, fica evidente o que a educação vem refletindo no ensino, quanto a defasagem
do pensamento newtoniano-cartesiano, com a fragmentação e a reprodução do
conhecimento, padecido por uma metodologia que visava apenas a memorização e a
repetição.
Havia se estabelecido que esse modelo racional minimizaria a interferência das subjetividades
no risco à eficiência do que era proposto.
Com efeito, a suplantação desse pensamento conservador, a fim de alcançar um novo
paradigma, tem sido o grande desafio enfrentado pelos educadores, a fim de construir novas
metodologias para preparar um novo cidadão, ou seja, conforme Behrens (2011, p. 15), um
“cidadão sensível, intuitivo, feliz e que seja competente para contribuir na reconstrução da
sociedade.”
Notadamente vivemos um momento de ruptura entre duas diferentes dimensões: a primeira,
baseada no paradigma newtoniano-cartesiano, de característica conservadora e fragmentada;
e a segunda, com características inovadoras, baseada na visão sistêmica que se opõe
totalmente à visão fragmentada e busca, justamente a contextualização e as interrelações dos
sistemas que integram o planeta.
Foi necessário no processo evolutivo do pensamento humano conhecer as propriedades
quantificáveis da matéria (forma, tamanho, número, posição e quantidade do movimento),
porém esse pensamento de característica reducionista fragmentou a realidade, separando
emoção e razão, e deixou como rastro uma sociedade adoecida de produção de massa.
Porém, conforme aponta Behrens (2011), essa frieza da racionalidade e da objetividade
científica tem sido questionada nas últimas décadas por educadores como Giroux (1997),
Capra (1996), que se preocupam com o futuro das gerações.
Segundo Capra (1996, p. 25), “O novo paradigma pode ser chamado de uma visão de mundo
holística, que concebe o mundo como um todo integrado, e não como uma coleção de partes
dissociadas”.
Está mais do que evidente que o pensamento cartesiano já não se aplica ao contexto e às
necessidades desta sociedade, e precisa, portanto, ser superado e substituído, o que não
implica em denegri-lo, mas sim em perceber a obrigação de superá-lo em determinado
momento em que há necessidade de se estabelecer novos modelos.
Portanto, assim como já se sabe que aprender as letras isoladamente na alfabetização
compartimentaliza o pensamento, o que se busca em verdade é integrar o ser humano, não
apenas no espaço territorial que ocupa, mas na totalidade e posicionamento de sua existência
no seu sistema de origem.
Independentemente das ferramentas, o novo paradigma inclui, além da quantificação, forma,
e outras informações necessárias para a construção de uma ponte, ou descoberta de uma

vacina, a subjetividade e a fenomenologia da existência humana, cuja complexidade precisa
ser incluída para a construção de novas regras de sociabilidade num mundo que mudou.
Por fim, a meu ver a celeuma está na ainda necessidade de alguns em departamentalizar a
humanidade para produção em massa, e a de outros em salvar a humanidade adoecida, ambos
confusos nas suas ideologias, sem perceber o quanto servem um ao outro para complementar
o que ainda falta.
Avante, logo adiante a ciência acolherá a subjetividade como algo benéfico à reconstrução da
sociedade adoecida pela necessidade de ter que ter respostas imediatas para tudo,
esquecendo que a maturação da informação e a transformação desta em conhecimento não é
igual para todos, cada um no seu tempo.
Concluo que o primeiro passo é admitir a impossibilidade de robotizar nossas humanidades,
para juntos construirmos modelos sustentáveis ao novo paradigma que já é uma realidade.


Eunice Schlieck, advogada, palestrante, escritora e professora. Mestranda em Ensino de
Humanidades e Linguagens pela UFN. Especialista em Direito e Gestão Ambiental/CESUSC (SC)
e em Direito Sistêmico pela Hellinger Schule e Faculdade Innovare (SP). Treinamento em
constelações familiares com Bert Hellinger na Alemanha, em outubro de 2017. Treinamento
Sistêmico pelo Instituto de Constelações Familiares Brigitte Champetier de Ribes. Formação
básica complementar em Percepção Sistêmica e Práticas Integrativas pelo ILA – Instituto
Luciano Alves. Capacitação e formação ampliada em Movimentos Essenciais com Cláudia
Boatti. Capacitação em Práticas Colaborativas pelo Instituto Brasileiro de Práticas
Colaborativas. Introdução à Comunicação Não-Violenta com Dominic Barter. Coordenadora
Nacional para a temática de Direito Sistêmico da ESA Nacional, Escola Superior da Advocacia,
triênio 2019/2022. Presidente da Comissão de Direito Sistêmico da OAB/SC 2017/2022,
primeira do Brasil. Vice-Presidente da Comissão Especial de Estudos de Direito Sistêmico da
OAB/RJ 2017/2021. Presidente e fundadora do Instituto Brasileiro de Direito Sistêmico.
Professora de Pós-Graduação na Verbo Jurídico e na Damasio de Jesus. Facilitadora de
Movimentos Essenciais e Constelações.

Referências.
BEHRENS, Marilda Aparecida. O paradigma emergente e a prática pedagógica. 5 ed. Petrópolis:
Vozes, 2011.
CAPRA, Fritjof. A teia da vida. Uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. São Paulo:
Cultrix, 1996.

Uma Releitura Sistêmica de “O Meu Guri”:

entre o ato infracional e o crime

Marília Alves de Carvalho e Silva[1]

“Quando, seu moço, nasceu meu rebento / Não era o momento de ele rebentar / Já foi nascendo com cara de fome / E eu não tinha nem nome pra lhe dar”. Com a sensibilidade que lhe é característica, Chico Buarque narra a história de tantos meninos e meninas na canção “O Meu Guri”. Escrita em 1981, permanece extremamente atual e escancara a imperiosidade de vertemos um olhar mais profundo sobre a infância e os atos infracionais, diminuindo a distância entre o “seu moço” e a comunidade.

Comentando sobre tal tema em debate que ocorreu no dia 09 de dezembro de 2021 e publicizou a parceria entre nosso Instituto e a Universidade Franciscana (UFN), o professor e defensor público Juliano Ruschel colaciona: “Tudo aquilo que nós não conseguimos resultados na área da Infância, na área da proteção, passa a cerca para o outro lado e começa a nos cobrar na seara do ato infracional”. Destacamos que o evento foi uma grande conversa que trouxe profissionais com atuações diversas no sistema de justiça para partilharem os saberes que efetivamente vivenciam no seu cotidiano.

Apesar de ter sido uma mesa virtual composta por diferentes profissionais, cujo objetivo era uma fala livre a partir da posição que ocupam no direito, as falas se conectaram e os assuntos foram se integrando com muita naturalidade. Prova disso o fato de a complexidade das questões envolvendo as infrações também ter tido lugar na exposição do Promotor Elkio Uehara, conforme se observa: “Será que é fácil para aqueles que vivem intensamente em uma comunidade fechada regras específicas, renunciarem a atuação dessa lei?”.

A sincronicidade é uma característica dos encontros sistêmicos, exsurgindo da própria fenomenologia. Nesta esteira, assim como é preciso ter “ouvidos de ver” para escutar o que não está sendo dito, necessária é também a humildade tão aventada no mesmo encontro, pois apenas assim nos comprometemos com nosso entorno e tomamos a consciência colocada pela professora Angelita Woltmann de que “a comunidade tem muito mais a nos ensinar do que nós a ela, na verdade”.

É com esta consciência que retomamos a música que inicia o texto para pensarmos sobre o guri além da “(…) manchete, retrato, com venda nos olhos, legenda e as iniciais”. Antes do destino trágico trazido em tais versos, já está anunciado desde as primeiras linhas que nasceu em um contexto de falta de planejamento, assolado pela exclusão de acesso a necessidades básicas, filho de uma mãe que o criou sozinha e fez o melhor que pode dentro de um contexto que foi “assim levando ele a me levar”.

Neste ponto se encontram a humildade, a responsabilidade, e o olhar ampliado que propomos: é preciso que nós, integrantes do sistema de justiça, estejamos dispostos primeiramente a ouvir o que esse guri e o nossos próprios guris e gurias tem a nos ensinar. A partir dessa autoconsciência somada a consciência do todo, é importante compreender quais as necessidades escondidas sob os problemas, e isso só é possível quando nos disponibilizamos a uma troca horizontal e não nos arrogamos na posição de “seu moço”.

Sobre a relação entre microssistemas e macrossistemas, trazemos novamente os versos de Chico e as palavras do Uehara: “Chega suado e veloz do batente / E traz sempre um presente pra me encabular / Tanta corrente de ouro, seu moço / Que haja pescoço pra enfiar”. A clara alusão aos furtos ou roubos nos sensibilizam diante do que muitos meninos e meninas provavelmente sentem diante de tanta desigualdade, e, mais do que isso, quando percebem que há outras pessoas que conseguem estas “correntes de ouro” de formas ilícitas. Contudo, olhar apenas para o ilícito é enxergar apenas uma parte.

Nesta esteira, cirúrgico é o questionamento do promotor quando nos convida a pensar se seria fácil renunciar a atuação de uma determinada “lei” quando se vive dentro dela. Frisamos desde logo que não estamos defendendo qualquer abolicionismo, o que seria até temerário nestas curtas linhas. Nossa proposta é incitar a pensar na construção de uma justiça coletiva e abrangente, que seja capaz de olhar para o micro e enxergar como os sistemas familiar, social e jurídico se interrelacionam entre si no macro.

Evidenciando que a dimensão de uma ausência cresce quando não é visibilizada, a fala de Juliano Ruschel demonstra como isso ocorre na prática: ao mencionar que a falta de um resultado na área da Infância pode retornar no âmbito do ato infracional, o defensor traz sua percepção fundamentada da realidade para expor que a carência de suporte para as crianças pode ter reflexos futuros que se materializem em atos infracionais. Nesse mesmo sentido, Eunice Schlieck relembra a lição sistêmica de que até ficar muito tempo com uma fralda suja pode gerar no bebê um registro de abandono.

Em nossa interpretação foi exatamente o que aconteceu ao guri da música, uma vez que os versos “Chega estampado, manchete, retrato / Com venda nos olhos, legenda e as iniciais / Eu não entendo essa gente, seu moço” parecem indiciar que o mesmo foi preso ou até mesmo morto. A arte nos presenteia com a riqueza de permitir outras leituras, mas o próprio ritmo e cadência da canção trazem uma melancolia de alguém que passou a vida em um microssistema à margem, e submetido a um macrossistema ao qual nunca se sentiu pertencente.

Portanto, nosso enfoque não é a ausência de responsabilização, até porque a responsabilidade é um dos pilares do pensamento sistêmico. O que questionamos é a forma como nós podemos costurar juntos uma trama capaz de integrar políticas públicas macro e efetivo engajamento micro, de modo a possibilitar que o “chegar lá” tenha como fim um destino menos trágico que o da canção.

Bibliografia

LABORATÓRIO DE EXTENSÃO DO CURSO DE DIREITO – UFN. Dialogando sobre o Direito Sistêmico (…) em tempos de pandemia. Youtube, Transmitido ao vivo em 9 de dez. de 2021. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=nb8EYxpMAGs. Acesso em: 12 dez. 2021.

BUARQUE, Chico. O Meu Guri. Letra. Disponível em:    https://www.letras.mus.br/chico-buarque/66513/. Acesso em: 01 dez. 2021.

HELLINGER, Bert. No Centro Sentimos Leveza: conferências e histórias. 2. ed. São Paulo: Cultrix, 2006.

HERRERA FLORES, J. De habitaciones propias y otros espacios negados. Una teoría crítica de las opresiones patriarcales. Bilbao: Publicaciones de la Universidad de Deusto, 2005.

SCHLIECK, Eunice. Direito Sistêmico: uma abordagem transformativa do conflito. In: A Filosofia Jurídica Sistêmica: um olhar humanizado na justiça. Brasília: Ultima Ratio, 2020.

SILVA, Marília Alves de Carvalho e; PACHECO, Pedro Marques da Costa. A Transição Sistêmica e Colaborativa para as possibilidades Contemporâneas de Gerir Conflitos. In: A Filosofia Jurídica Sistêmica: Um Olhar Humanizado na Justiça. Brasília: Ultima Ratio, 2020.


[1] Mestre em Direito pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisadora do grupo de Direito e Cinema vinculado à mesma instituição. Mediadora judicial em formação. Atuou como assistente de ensino na Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas. Advogada e Professora entusiasta da transdisciplinaridade. Presidente da Comissão Especial de Estudos sobre Direito Sistêmico da Ordem dos Advogados do Brasil, seção Rio de Janeiro (OAB/RJ). Facilitadora na Faleck e Associados. Coordenadora Científica do Instituto Brasileiro de Direito Sistêmico (IBDSist).

A polarização tem benefícios?

Suelena Pacheco dos Reis

“Um fenômeno completo é o resultado da reconciliação ou fusão de duas polaridades. Todo excesso de uma polaridade, cria a polaridade contrária para que se possa voltar à harmonia.”                                                    Brigitte Champetier de Ribes

O reconhecimento das polaridades em mim é o outro que me dá de presente.

Se estou em algum extremo, mesmo que não perceba, imediatamente, naturalmente, o campo apresenta quem tem a outra polaridade estabelecida em excesso.

Do conflito, ou até mesmo do confronto, dependendo do excesso em que cada pólo esteja atuando, acontecerão movimentos de estupefação, negação ou reconhecimento, enfim, acréscimos. Precisa vir para fora, ser visto do lado de fora e admitido? SIM! Isto existe, em mim e no outro? SIM! Sou capaz de produzir o que tanto repudio. Agora posso tratar de ser melhor.

É o que proporciona o caminho da harmonização, da reconciliação, em mim, dos opostos estabelecidos em meu próprio sistema.

É na convivência com outras pessoas que posso constatar o quanto evoluí cresci, aprendi verdadeiramente com as questões internas. O assentimento com a vida que chegou até mim, com o amor incondicional, com a verdade de cada um e de seu sistema.

Sozinhos, isolados, ficamos na ilusão, sustentada pelo “ego inflado”, da evolução e do crescimento espiritual. É no encontro que as respostas se apresentam e o próximo degrau aparece, ou não. Afinal, as armadilhas estão por todo lado. A arrogância de achar que estamos do lado certo, nos faz ‘empurrar’ quem pensa diferente para o lado errado.

Aí está a beleza da vida: nas diferenças e no constante movimento.

As oscilações, as contrariedades, nossas birras diante do que nos parece ruim, são na verdade impulsos para conciliação dos opostos que nos habitam.

As nossas origens remontam a sucessivos encontros de sistemas familiares diferentes. Todos querem ser vistos, reconhecidos e reverenciados exatamente como são e deram conta de viver. O mais importante é que viveram. Até que isso aconteça, todo o tumulto de meus antepassados estará acirrado em mim. O meu EU agressivo, belicoso e latente buscando formas de manifestar-se em todos os lugares em que estiver e nas atividades que exerça.

Mergulhar em si, reconhecer a luz e as sombras, este é o caminho da PAZ.

O novo mundo e a tecnologia da alma.

Alissa Schmidt de Mateo Farias

“A tecnologia move o mundo”. A frase de Steve Jobs faz menção ao importante impacto que a tecnologia vem causando para a sociedade, uma vez que o mundo contemporâneo está marcado pelos avanços na comunicação e nas transformações tecnológicas e científicas. Muitas vezes nos deparamos com o desafio de como nos habituarmos a esses avanços e inovações das tecnologias.

Contudo, podemos compreender que a tecnologia é um recurso necessário e estratégico, ou seja, é um fator potencializador para o desenvolvimento.

Assim, em tempos que a tecnologia já está imersa na vida de todos, é imprescindível, além do desenvolvimento da tecnologia tradicional, também o desenvolvimento da tecnologia da alma (expressão criada pela presidente do Instituto Brasileiro de Direito Sistêmico – IBDSist, Dra. Eunice Schlieck), uma vez que “grande maioria das pessoas, as quais se empoderam em saberes tecnológicos e esquecem de sua natureza essencial”. (SCHLIECK, 2020).

Nesse sentido, sobre o desenvolvimento da tecnologia da alma, Eunice Schlieck (2020), menciona:

Necessário se faz, portanto, o desenvolvimento da tecnologia da alma, vale dizer da reestruturação espiritual, recolocando o indivíduo na centralidade da reprodução da ordem social e mundial, bem como da humanização das relações e da releitura do conflito, enquanto possibilidade de reconciliação e consequentemente da tão almejada paz, bem comum e justiça. (SCHLIECK, Eunice, 2020, p. 68)

A tecnologia da alma está na essência das coisas naturais, tendo como propósito a transformação interna e a ampliação de consciência humana, bem como a sustentabilidade dessa transformação.

Sabemos que o mundo é um lugar cheio de sentidos e intenções. Feenberg, refere que “essa concepção do mundo pede uma compreensão correspondente do homem. Nós, os humanos, não somos os mestres de natureza, mas trabalhamos com suas potencialidades para trazer à fruição um mundo significativo. Nosso conhecimento deste mundo e nossa ação nele não são arbitrários, mas são, de algum modo, a realização do que está escondido na natureza”.

O autor Winner (1987), há muitos anos, já chamava atenção para a escassez de reflexões filosóficas acerca, especificamente, da tecnologia e lembrava a importância de observar de forma analítica a natureza e a definição dos objetos e processos tecnológicos para a atividade humana.

Nesse sentido, percebe-se que a tecnologia dialoga diretamente com as questões sociais e humanas, daí a importância de compreendermos as tecnologias frente a propósitos humanos maiores. MILHANO (2010, p. 1), menciona que “perante o aparentemente incansável desenvolvimento tecnológico e os impactos que este possui sobre o homem na sua relação com o mundo social contemporâneo, torna-se urgente desenvolver as problemáticas que a tecnologia levanta à reflexão filosófica”.

Referente a questão filosófica da tecnologia, Bordin e Bazzo, elucidam:

   Filosofar sobre a tecnologia é buscar o entendimento do que ela de fato é, ou seja, é uma questão de investigar a sua essência. Há que se pensar em termos ontológicos – estudo do ser enquanto ser, suas categorias, princípios e essência e em termos epistemológicos – saber produzido. Em termos ontológicos, é necessário, então, conceituar – o que não é uma atividade fácil – a tecnologia, fazendo uma distinção entre produto e processo e entre técnica e tecnologia propriamente dita, discutir seu dinamismo e autonomia e pensar como ela – a tecnologia – impacta a sociedade ou é impactada por ela em termos econômicos e políticos, por exemplo. No âmbito epistemológico, há que se questionar sobre a existência de teorias especificamente tecnológicas, sobre a possibilidade e/ou necessidade de diferenciar ciência, ciência aplicada e tecnologia e sobre o papel da verdade na atividade tecnológica (BORDIN; BAZZO apud CUPANI, 2011).

Finalizo destacando que a reflexão proposta por Eunice Schlieck, sobre a Tecnologia da Alma é de grande valia, na medida em que leva a (re)avaliar os caminhos da alma, levando em conta o desenvolvimento humano, bem como diálogos que auxiliam os seres humanos na estruturação de concepções filosóficas e epistemológicas acerca da tecnologia da alma. Sem dúvidas, a partir desse estudo, haveremos de ter pessoas mais conscientes do papel transformador que podem assumir nesse “novo mundo”.

REFERÊNCIAS:

BORDIN, L.; BAZZO, W. A. Essa “tal” filosofia: sobre as concepções de tecnologia e seus reflexos no processo formativo em engenharia. Revista Brasileira de Ensino de Ciência e Tecnologia, v. 11, n. 1, 2018. Disponível em: file:///C:/Users/Acer/Downloads/5728-28737-3-PB.pdf . Acesso em: 03 de jul. 2021.

FEENBERG, Andrew. O que é Filosofia da Tecnologia?*. Disponível em: https://www.sfu.ca/~andrewf/Feenberg_OQueEFilosofiaDaTecnologia.pdf . Acesso em: 03 de jul. 2021.

SCHLIECK, Eunice. A filosofia jurídica sistêmica: um olhar humanizado na justiça. Brasília, DF: Ultima Ratio, 2020, p.68.

Currículo da Autora:

Alissa Schmidt de Mateo Farias: Bacharel em Direito, pela faculdade CESUSC – Florianópolis/SC; Formação em Percepção Sistêmica e Práticas Integrativas pelo Instituto Luciano Alves – ILA; Capacitação em Direito Sistêmico pelo Instituto Brasileiro de Direito Sistêmico – IBDSist.

A expressão SEPARAÇÃO e a compreensão sistêmica do fim.

Eunice Schlieck

Suelena Pacheco dos Reis

Falar de separação de corpos, separação de fato, separação judicial soa um tanto estranho, quando numa perspectiva sistêmica convidamos a todos a integrarem as experiências vividas, concordam?

                O convite ao cliente é que perceba o quanto aquela relação, que chega ao fim, foi um sucesso enquanto durou. Não será a formalística jurídica que facilitará o desligamento, mas sim a gratidão pelos momentos vividos. Enquanto o bom não for visto e reconhecido, não acontecerá a liberação por inteiro para novos e saudáveis relacionamentos.

                Se, da história vivida, resultaram filhos, o sucesso é inegável e trás o cliente para um estado de presença com leveza. Uma vez que pais não se separam, apenas a relação homem x mulher finaliza e ambos saem inteiros.

                Quando não tiveram filhos, também foque que relatem bons momentos, seja quando se conheceram, uma viagem que realizaram, o que construíram juntos, isso vai auxiliá-los a perceber que podem finalizar com respeito à história que viveram, fortalecendo o bom e o bem vivido, a fim de que as dores não se tornem motivos de vinganças e mais dores. É comum que um dos envolvidos sinta raiva, o que não proporciona que uma boa solução emerja. Deste modo, literalmente focar no AMOR, sem precisar necessariamente mencioná-lo, é o que alivia a tensão destes momentos e proporciona que sejamos gestores de soluções, as quais transbordam dos próprios clientes, posto que cada relação tem as suas especificidades.

                Pode parecer difícil ao cliente focar no bom, quando uma relação está finalizando e levando ao indicativo de ruptura dentro da própria história. A sensação de perda se faz latente, no entanto a alma necessita de que todos os momentos vividos sejam integrados, todas as experiências boas e não tão boas precisam ser validadas na realidade que representam. Jamais vistas como uma perda de tempo, mas como acréscimos pela riqueza de aprendizados. Para bem concluir é necessário ser grato pelo tempo vivido.

                Com efeito, convidarmos os clientes a lembrarem de momentos felizes, como por exemplo o nascimento de um filho, proporciona que a conexão com o profissional se estabeleça e a confiabilidade aumenta.

                Somos operadores do direito, mas somos seres humanos antes de tudo, pois temos também nossas experiências pessoais. Portanto, nos colocarmos como iguais, facilita a conexão com o todo que o cliente trás quando chega até nós.

                É simples assim:  seja de verdade e o outro perceberá que você é e então também será, pois reconhecerá que não somos robôs e temos nossas vulnerabilidades. O que permitirá que  relate sem reservas todas as nuances que o levaram até o momento da decisão de dar fim aquela história, nos proporcionando uma atuação mais assertiva. Sendo assim, correremos menos riscos de sermos surpreendidos com algo não revelado, que por ventura nos coloque em situações delicadas, até mesmo durante atos processuais.

                Ademais, não menos importante, vale ressaltar que a postura do profissional numa separação pode ser prejudicial, principalmente quando este lança um olhar crítico e julgador aos envolvidos, trazendo à tona a sua inabilidade com suas próprias dores, introduzindo muitas vezes uma condução inapropriada para uma história que não lhe pertence.

                O respeito ao luto dos envolvidos, velando a ruptura dos projetos traçados para a vida, agora frustrados, pode levar uma anulação momentânea das reais vontades. O cair em si é um processo individual e cada um tem o seu tempo. Neste ínterim, qualquer condução por parte dos profissionais, seja ele advogado, mediador, no sentido de agilizar os ritos, pode criar mais dor e ressentimento. Perguntar mais do que responder, ficar no seu lugar, facilitar que os envolvidos se manifestem até perceberem-se equilibrados, pois seguirão sempre presentes na história um do outro.

                Muitas separações rompem uma conduta de desqualificação do outro e, quando bem solucionadas, podem vir a se transformar numa nova e saudável relação com o(a) mesmo(a) parceiro(a).

Por fim, podemos perceber que trabalhar com expressões mais leves em nosso dia a dia, ainda que no ordenamento jurídico seja definida como Separação o término de uma relação conjugal, é um bom caminho. Talvez utilizarmos expressões como: o fim da união,  conclusão da relação conjugal, ou descasamento (expressão de autoria de João Gilberto Bernardes Rodrigues), uma vez que a própria alma demonstra que um ciclo se completou em todas as etapas: começo, meio e fim.  E, se está concluído, os envolvidos estão verdadeiramente liberados para construírem novas bases relacionais, seja com quem for.

Em tempos que o mundo está em metamorfose devido à pandemia mundial provocada pelo coronavírus, em que as pessoas estão tendo que encarar suas relações reais sem subterfúgios, uma nova base de sociabilidade está emergindo, conforme leciona SCHLIECK (2020, p. 77):

“…esse campo de saber proposto pelo direito sistêmico, que está relacionado à filosofia sistêmica e ao fenômeno humano, pode contribuir para essa necessidade de uma nova base de sociabilidade que está emergindo.”

Concluímos que, uma separação pode vir a se tornar uma nova união, portanto tudo pode acontecer diante da imprevisibilidade das ações humanas. E nós, operadores do direito, para estarmos a serviço da vida, precisamos nos alinhar a quem essencialmente somos, SEPARAR seria fragmentar o todo do qual fazemos parte! Vamos trabalhar para alterar essa nomenclatura em nosso ordenamento jurídico?

Bibliografia:

SCHLIECK, Eunice. Direito Sistêmico: uma abordagem transformativa do conflito. A filosofia jurídica sistêmica: um olhar humanizado na justiça. Brasília, DF: Ultima Ratio, 2020.

Currículo das autoras:

Suelena Pacheco dos Reis: Advogada, Professora, Escritora, Palestrante, Vice-presidente da Comissão de Direito Sistêmico OAB/SC. Membro da Diretoria do Instituto Brasileiro de Direito Sistêmico – IBDSist. Pós-graduanda em Psicologia Transpessoal Instituto Zen – IZEN/Faculdade Madalena Sofia. Terapeuta e Facilitadora de Constelação Sistêmica, com formação em Percepção Sistêmica e Práticas Integrativas pelo Instituto Luciano Alves – ILA, Capacitação em Movimentos Essenciais com Cláudia Boatti, Introdução à Comunicação Não-Violenta com Dominic Barter.

Eunice Schlieck: Advogada, Professora, Palestrante e Escritora. Pós-Graduada em Direito e Gestão Ambiental/CESUSC (SC) e em Constelações Familiares Hellinger, aplicada ao Direito Sistêmico pela Hellinger Schule e Faculdade Innovare (SP). Treinamento Sistêmico pelo Instituto de Constelações Familiares Brigitte Champetier de Ribes. Formação básica complementar em Percepção Sistêmica e Práticas Integrativas pelo ILA – Instituto Luciano Alves. Capacitação em Movimentos Essenciais com Cláudia Boatti. Capacitação em Práticas Colaborativas pelo Instituto Brasileiro de Práticas Colaborativas. Introdução à Comunicação Não-Violenta com Dominic Barter. Coordenadora Nacional para a temática de Direito Sistêmico da ESA Nacional, Escola Superior da Advocacia, triênio 2019/2022. Presidente da Comissão de Direito Sistêmico da OAB/SC 2017/2021, primeira do Brasil. Vice-Presidente da Comissão Especial de Estudos de Direito Sistêmico da OAB/RJ 2017/2021. Presidente e fundadora do Instituto Brasileiro de Direito Sistêmico. Professora da ESA – Escola Superior da Advocacia. Professora da Pós-Graduação em Direito Sistêmico da Verbo Jurídico. Professora do Curso de Extensão em Direito Sistêmico na Faculdade CESUSC/SC.

Mediação Sistêmica – A Percepção de novos paradigmas

Marisa Santos Souza

Abril, 2020.

A Mediação de Conflitos, de maneira sucinta e objetiva, ou seja, apresentada como uma técnica propriamente dita, temos que é a atividade desenvolvida através de terceiro neutro e imparcial, sem poder decisório, o qual sendo aceito ou escolhido pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a questão conflituosa que se apresenta.

Quando observamos a filosofia da Mediação de Conflitos, temos por base que a sua aplicação está permeada pela comunicação, escuta ativa, empatia, respeito mútuo, confidencialidade, empoderamento através da autorresponsabilidade, bem como diversos outros preceitos que são comuns a todas as relações e quando aplicadas trazem efeitos de conexão e compreensão que todos nós queremos viver.

Analisando o contexto social pelo qual se derivam as relações humanas, podemos questionar: Quem quer se comunicar bem e ser compreendido?! Quem quer ser escutado?! Quem quer ser respeitado?! Quem quer ter confiança com aqueles que se expressam?! Ora, isso é viver a Mediação e, em sua essência como método adequado de autocomposição, quando aplicado como filosofia de vida, tem-se o ponto de partida para desencadear esta transformação. É dizer que há uma percepção diferenciada para os acontecimentos da vida, sejam eles do cotidiano, sejam eles de todo percurso da nossa trajetória.

A Mediação Sistêmica está centrada na postura do Mediador, bem como em todas as questões que este se dispõe a trabalhar em si mesmo, colocando na prática de suas vivencias, sejam elas pessoais, seja no desenvolvimento do seu trabalho, com conexão e verdade daquilo que se apresenta.

Neste passo, há a possibilidade de conhecimentos e aprendizados que passam a ser internalizados para que a fluidez do trabalho possa ser desenvolvidos, pois, em verdade, a sutileza do Mediador está em ouvir o que as partes não dizem, traduzir o ponto comum daquilo que está além do conflito aparente e através de perguntas viabilizar a tomada de consciência para as partes.

De outra maneira, quando observamos os preceitos da Comunicação Não Violenta apresentada por Marshall Rosenberg e a forma pela qual o seu desenvolvimento nos aproxima das pessoas através da conexão e expressão literal do que sentimos, bem como da expressão clara de formular os nossos pedidos para atender as nossas necessidades de uma maneira genuína, separando o fato do julgamento, percebemos a essência do nosso próprio ser sendo lapidada e manifestada, de modo que é possível construir diálogos que nos aproximem compassivamente.

Assim sendo, a forma como passamos a integrar a filosofia da mediação em nós e na forma como lidamos com os nossos relacionamentos em geral, temos então uma nova perspectiva das relações humanas que estabelecemos de maneira mais leve e contínua, como uma nova forma de abordar os acontecimentos e assim emergir, ocorrendo um processo de desconstrução de paradigmas e julgamentos. É o primeiro passo de entendimento para abertura dos sentimentos. Afinal, em uma linguagem figurativa, objetiva e direta: aprender com teoria é a mesma coisa que matar a fome apenas lendo o cardápio, e todos nós sabemos que isso não sacia o que se pretende alimentar!

O reflexo da empatia nos traz a presença, estabelecendo a conexão e identificação do que é a verdadeira competência de nomear os sentimentos, valendo-se da sua simples existência de percepção.

O retorno para a nossa origem possibilita a amplitude de olhar para os conflitos através de uma outra dimensão. E é justamente nesta origem que se encontram as leis sistêmicas apresentadas por Bert Hellinger, as quais são internalizadas através da abordagem fenomenológica e desenvolvidas através de nossa postura e compreensão sistêmicas, onde tudo começa a despertar para uma nova consciência.

Nesse sentido, tem-se que a Mediação Sistêmica é a abordagem fenomenológica da Filosofia Hellingeriana, bem como do próprio autoconhecimento e vivências de percepção, os quais quando desenvolvidos a partir da postura do mediador, possibilitam trazer uma nova consciência para as partes envolvidas em um conflito, de modo a ressignificar o contexto do conflito apresentado pelas partes através da escuta ativa, internalizando as leis sistêmicas e o olhar para as ordens da vida, como o pertencimento, hierarquia e equilíbrio entre o dar e receber. Da mesma maneira, igualmente se retirando da postura de eventuais julgamentos com base nas “ordens da ajuda” através de um comando interno do Mediador, este deve estar atento e desperto para trazer às partes a oportunidade de observar uma nova consciência, e assim ter um entendimento diferenciado do que os afasta e também do que os mantém unidos, ainda que seja pelo conflito e desajuste de necessidades não atendidas por ambos.

Aqui, não há intenção de acordo. A proposta é que se restabeleça o diálogo para a permanência das relações de convivência.

Trata-se da desconstrução do julgamento e juízo de valores, os quais “saem de cena” para que os ruídos da comunicação possam ser esclarecidos de acordo com a percepção de cada um diante do desencontro de entendimentos que foram em algum momento, equivocados. Por outro lado, observando através de preceitos Constitucionais, é o próprio resgate vivencial da dignidade da pessoa humana.

“Pessoas não são papeis, sentimentos não são sentenças e destinos não são recursos.”

Marisa Santos Souza