Advocacia Multiportas: A Resposta Ética e Consciente à Era da Inteligência Artificial, por Eunice Schlieck

Introdução


    A revolução tecnológica que vivenciamos atualmente, especialmente com o avanço da Inteligência Artificial (IA), tem gerado profundas transformações em diversas áreas, incluindo o Direito. Ferramentas de IA estão cada vez mais presentes nos escritórios de advocacia, oferecendo desde soluções automatizadas para gestão de documentos até o uso de algoritmos para prever resultados de litígios. Essa evolução, ao mesmo tempo em que representa um avanço, também suscita questionamentos sobre o futuro da profissão advocatícia e o papel do advogado em um mundo cada vez mais dominado por máquinas.
    Neste contexto, surge a necessidade de redefinir a prática da advocacia, ampliando o escopo de atuação dos advogados e fortalecendo seu papel na sociedade. É aqui que a “Advocacia Multiportas” se apresenta como uma resposta ética e consciente, capaz de não apenas lidar com as inovações tecnológicas, mas de reafirmar a dignidade e a importância do advogado como um agente de paz, justiça e ética.

A Inteligência Artificial no Direito: Oportunidades e Desafios

   A Inteligência Artificial oferece inúmeras vantagens para a prática jurídica, como a otimização de processos, a redução de custos e o aumento da eficiência. Ferramentas como softwares de análise preditiva e sistemas de automação de documentos permitem que advogados lidem com grandes volumes de informação de maneira mais rápida e precisa.
   No entanto, essas tecnologias também apresentam desafios significativos. Um dos principais é a desumanização do processo jurídico, onde decisões automatizadas podem falhar em capturar nuances importantes que só um ser humano, com sua capacidade de julgamento ético e empatia, pode perceber. Além disso, a dependência excessiva de IA pode levar a uma desvalorização do papel do advogado, reduzindo-o a um mero executor de tarefas automatizáveis.

Advocacia Multiportas: Uma Nova Postura para o Advogado


   A “Advocacia Multiportas” é uma proposta que vai além da tradicional noção de “Justiça Multiportas,” que se concentra na diversificação dos meios de resolução de conflitos, como a mediação, conciliação e arbitragem. Em vez disso, a Advocacia Multiportas propõe uma postura proativa e integrada dos advogados, que se comprometem não apenas com a resolução de conflitos, mas com a promoção de uma cultura de paz, justiça e ética em todas as suas ações. Conforme minha publicação em 2020 (p. 68), destaco que:
“Necessário se faz, portanto, o desenvolvimento da tecnologia da alma, vale dizer da reestruturação espiritual, recolocando o indivíduo na centralidade da reprodução da ordem social e mundial; bem como da humanização das relações e da releitura do conflito, enquanto possibilidade de reconciliação e consequentemente da tão almejada paz, bem comum e justiça.”
   Essa abordagem reconhece que, em um cenário onde a tecnologia desempenha um papel cada vez mais central, o advogado precisa se reinventar, ampliando suas competências e focando em aspectos que a IA não pode substituir: a capacidade de lidar com as complexidades humanas, de aplicar o julgamento ético em situações delicadas e de agir como um facilitador de diálogos e entendimentos.

A Advocacia Multiportas como Defesa contra a Substituição pela IA

   A adoção da Advocacia Multiportas é uma forma de garantir que os advogados permaneçam relevantes e insubstituíveis, mesmo em um mundo onde a IA desempenha um papel cada vez mais significativo. Ao adotar uma postura de constante aprimoramento ético e de comprometimento com a paz e a justiça, o advogado se coloca em uma posição que a IA não pode ocupar.
   Diferentemente das máquinas, que operam com base em algoritmos e dados, o advogado multiportas trabalha com a compreensão profunda das relações humanas, das emoções e das motivações que estão por trás de cada conflito. Neste sentido, “…a partir da postura sistêmica, o profissional da advocacia dispõe de um manancial de recursos que ampliam a compreensão da questão em pauta, possibilitando ao advogado fazer o cliente entender e compreender a base do seu conflito. Observa-se, muitas vezes, que o cliente profundamente emaranhado em dores emocionais, não raro, não tem condições de reconhecer a própria postura bélica. Assim, por meio de uma condução sistêmica, o advogado pode auxiliar o cliente a ampliar a visão do contexto.” (SCHLIECK, 2024, p. 116).
   Essa abordagem humanista e sistêmica é crucial para a resolução de problemas de forma ética e justa, algo que a IA, por mais avançada que seja, não pode replicar.

 

Conclusão

   A “Advocacia Multiportas” não é apenas uma resposta à crescente presença da Inteligência Artificial no Direito, mas uma evolução necessária da prática jurídica. Ela reforça o papel do advogado como um agente essencial na promoção de uma sociedade mais justa e ética, afastando a possibilidade de substituição por ferramentas tecnológicas. Ao adotar essa postura, os advogados não só asseguram a relevância de sua profissão, mas também contribuem de forma significativa para o fortalecimento da dignidade e do respeito à prática jurídica.
   Em um mundo onde a IA está cada vez mais presente, a Advocacia Multiportas emerge como um caminho para garantir que a justiça não seja apenas eficiente, mas também humana.


Referências
SCHLIECK, Eunice. Direito Sistêmico: uma abordagem transformativa do conflito.In: A filosofia jurídica sistêmica um olhar humanizado na justiça. Coord. Luciano Loiola da Silva, Kellen Medeiros, Eunice Schlieck. Brasília/DF: Ultima Ratio, 2020.
SCHLIECK, Eunice. Tecnologias da Alma: uma nova forma de ser e estar na advocacia. São Paulo/SP: Ipê das Letras, 2024.

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